Tio Jorge no programa da Globo Ciência

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Gravação para programa de TV da Multi Rio

Gravação para programa de TV da Multi Rio
Fotos: Maurício Theo com Jorge e equipe da MultiRio no Largo do Machado

Grupo da Sociedade de Antiquarios do Rio

Grupo da Sociedade de Antiquarios do Rio
Feiras de antiguidades aos Domingos na Gávea

Projeto Ponto de Cultura Lambe lambe no Largo do Machado

Ponto de Cultura no Largo do Machado
"Memorial do Lambe-Lambe"


Texto: Maurício Theo
(Fotógrafo e “filho de Pedro Theodósio da Silva”)

Introdução

A Cidade do Rio de Janeiro tem tendências culturais e histórias que deveriam ser lembradas quer através de livros, quer através de fotos ou de qualquer outra manifestação artística e cultural.
Houve tempo em que nas praças as pessoas se encontravam para se socializar e praticar o laser e até mesmo para tirar fotos para lembranças ou para se apresentar num novo trabalho. Existia nesta época (ainda existe), alguém que perpetuava este momento de forma simples e artesanal: O Lambe-Lambe.
Este profissional que participou e participa da nossa história deveria ter a sua marca e o seu lugar reconhecidos, fazendo assim com que o seu valor e a sua trajetória sejam lembrados nas gerações futuras.

Objetivos

Com a finalidade de fomentar a cultura e o desenvolvimento de novos meios de inclusão social, cultural e artístico visual, O Ponto de Cultura Memorial do Lambe-Lambe deverá ser um monumento que tenha uma função fixada como referência histórica em forma de "Quiosque Cultural Contemporâneo" onde seriam expostas algumas máquinas antigas de fotografia e teria a permanência do personagem do "lambe-lambe modernizado" com recursos atualizados e processos eletrônicos, fazendo uma ponte entre as técnicas antigas e as novas, como as digitais, onde o público em geral seria privilegiado através de exposições coletivas abertas em forma de feiras de artes (um varal fotográfico popular), de oficinas experimentais de fotografia, de eventos audiovisuais, de debates, de pesquisa histórica do Lambe-Lambe no Rio de Janeiro.

O evento teria a duração de três a cinco dias conforme seu planejamento, e suas atividades representativas passariam pelas exposições que seriam mostradas em possíveis espaços públicos cedidos pelo Metrô do Largo do Machado( Pesquisa histórica do Lambe- Lambe); Colégio Amaro Calvalcante (oficinas de fotografia, debates e apresentações de audiovisuais); Parque Guinle (Cenário) ou Museu da República (interagindo com a Feira Cultural da Fotografia) onde se pretende colaborar com o processo de cidadania e inclusão em geral das populações em torno do Largo do Machado, Catete e etc. Através de Mostras em "varáis fotográficos" dos acervos próprios dos moradores dos arredores do Largo do Machado que foram fotografados pelos lambelambes e de exposições coletivas de arte popular utilizaríamos a fotografia como suporte e as colocaria á venda, privilegiando a produção fotográfica e artística em geral. buscando assim colocar a fotografia brasileira como um bem de consumo definitivo nas ambientações, no comércio e nos espaços possíveis das relações humanas.


Justificativa:

Com as relações artísticas e associações de valores almejados nas interações entre arte, cultura, educação e atributos simbólicos apresentados pela imagem fotográfica ligando-se a uma ação cultural adequada a identidade e ao interesse do público ativo e manifestando concretamente seus valores expressando sua diversidade, poderia se pensar nos contextos atualizados das produções artísticas e nos históricos culturais que influirão na produção de bens contemporâneos, em forma de livros, audiovisuais, postais, objetos, etc... É nesta parceria de afins que lhe convidamos a integrar-se à este processo de relação e afinidade com o sucesso advindo.


DESENVOLVIMENTO :

O Memorial Lambe-Lambe aqui denominado Quiosque Cultural será composto de salão de exposições e área para fotografar com painéis de fundo,
Espaço para apresentação de máquinas de diferentes tipos, interativas onde serão expostas como peça de arte contemporânea, dando acesso ao púbico de ver como funciona e seu produto final, com as imagens geradas ao longo dos últimos 30 ou 40 anos, algumas máquinas seriam concebidas com a finalidade de servir como instalações interativas onde o público ao olhar dentro dela veria fotos e videos contando uma breve história documental dos antigos Lambe-lambes...


quarta-feira, 13 de maio de 2009

LambeLambeporRubensFernandesJunior



DESCONHECIDOS ÍNTIMOS *
O imaginário do fotógrafo lambe-lambe



Por Rubens Fernandes Junior**


"Mas é inevitável que de cada procedimento técnico, exercido com amor e rigor, se desprenda uma poesia específica. Mais ainda no caso da fotografia, cujo vocabulário já participa da magia poética - a gelatina, a imagem latente, o pancromático - e cujas operações se assimilam naturalmente às da criação poética - a sensibilização pela luz, o banho revelador, o mistério da claridade implícita no opaco, da sombra representada pelo translúcido - ó Mallarmé!"
"Carlos Drumond de Andrade"

Carlos Drumond de Andrade


O fotógrafo lambe-lambe é um profissional em extinção; desenvolve uma atividade que foi superada pela facilidade tecnológica e pela pressa imposta pelo tempo de novas velocidades. Lembrá-lo neste trabalho tem o sabor de tentar recuperar imagens e histórias que hoje fornecem uma infinidade de informações de ordem estética, antropológica, cultural e social.

As imagens que venho pesquisando e colecionando nos últimos 15 anos, foram adquiridas em brechós e feiras bric a brac realizadas em diferentes cidades brasileiras, e confirmam a estranha necessidade da humanidade em deixar seus rastros para as futuras gerações examinarem e analisarem. A fotografia tem esse poder de trazer à superfície do cotidiano, um pedaço desse incrível labirinto que é a difícil construção da memória coletiva.

"Fotografia é imagem. Mas não apenas. Ela é o tempo detido, é a memória. É a evidência da luz que incidiu sobre um objeto específico, num lugar específico, num momento específico. Se por um lado isto soa como uma limitação, por outro é o próprio mistério da fotografia. Aquilo que vemos numa foto aconteceu. Às vezes de uma maneira que não sabemos como ou porquê - a fotografia não explica. Mas aqueles objetos e pessoas que se gravaram sobre o filme e hoje são imagens, ontem existiram. É isso que estimula nossa imaginação". (1)

Constatamos e entendemos que toda referência fotográfica, apoiada em outras fontes de documentação, contém preciosas informações e, cada vez mais, assume relevante papel na análise e contextualização da história contemporânea. Jacques Le Goff lembra que "a fotografia (...) revoluciona a memória: multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica".(2)


A fotografia sabemos, causou, indiscutivelmente, o maior impacto na história das iconografias do século XIX, e provocou uma verdadeira revolução na questão da representação. O confronto entre o sujeito e o mundo, intermediado por uma prótese, estranha e revolucionária, propiciou um resultado imagético - a fotografia - que além de extraordinário potencial estético, conduz à conscientização e à reflexão.

Antes de iniciar nossa aventura pelo reconhecimento do trabalho do lambe-lambe, fotógrafo quase sempre anônimo, popular e intuitivo, que desenvolveu suas atividades profissionais em Praças e Jardins Públicos deste país, destacamos o tempo como uma das variáveis fundamentais para a compreensão da fotografia. Por isso entendemos que, tal qual registrou o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson: "de todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente desaparecendo e, uma vez desaparecidas, não há mecanismo no mundo capaz de fazê-las voltar outra vez. Não podemos revelar ou copiar uma memória".(3)


Uma luminosa compreensão da passagem do tempo que nos leva a perceber que a fotografia, enquanto sistema de representação e linguagem, oferece múltiplas possibilidades de reconhecimento e interpretação. Como esclareceu novamente Roland Barthes, em seu livro A Camara Clara, "aquilo que a Fotografia reproduz até o infinito só aconteceu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente".(4)

Origens

Ao que tudo indica, o nome lambe-lambe foi sugerido por um gesto bastante incomum no exercício da profissão, isto é, o teste que se faz para verificar de que lado está a emulsão de uma chapa, filme ou papel sensível. Para evitar o erro de colocar a chapa com a emulsão voltada para o fundo do chassis o que deixaria fora do plano focal e portanto com falta de nitidez, costumava-se, não só o fotógrafo lambe-lambe, mas como qualquer outro fotógrafo que utilizava câmeras de grande formato, molhar com saliva a ponta do indicador e do polegar e fazer pressão com esses dois dedos sobre a superfície do material sensível num dos cantos para evitar manchas. O lado em que estiver a emulsão será identificado ao produzir uma leve impressão de "colagem" no dedo. O historiador Boris Kossoy, em seu pioneiro ensaio sobre o tema, publicado em 1974 no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, "O Fotógrafo Ambulante - a história da fotografia nas praças de São Paulo", explica que "a origem do termo lambe-lambe é controvertida. Segundo alguns lambia-se a placa de vidro para saber qual era o lado da emulsão o que explicaria o nome. Tal fato, porém, parece pouco viável, pois o simples tato, ou a observação da chapa em local escuro mostra qual o lado da película sensível. Há quem diga que se lambia a chapa para fixá-la, porém a origem mais viável parece estar ligada ainda ao antigo processo da ferrotipia*. Este processo envolvia uma camada de asfalto sobre uma chapa de ferro de mais ou menos 1 mm sobre a qual era aplicada a emulsão. Após a revelação com sulfato de ferro, o fotógrafo lambia a chapa, fazendo com que a imagem se destacasse do fundo preto asfáltico pela ação do cloreto de sódio existente na saliva".(5)


Acreditamos mais na idéia de que foi o gesto, mágico e furtivo do fotógrafo de jardim, que para identificar a emulsão, impressionava tanto os populares que nada conheciam sobre a arte da luz e sombra, é que acabou dando o nome de lambe-lambe para essa atividade profissional.
Com a popularização das câmeras fotográficas e a facilidade de suas operações técnicas, bem como a disponibilidade dos recursos de processamento químico e produção das cópias, o tradicional ofício do fotógrafo de jardim está em vias de extinção. Com isso, desaparecerá o seu saber técnico, sua capacidade de improvisar e sua criativa ação documental, fragmentos imprescindíveis para a compreensão do desenvolvimento da história da fotografia no Brasil.
Jerusa Pires Ferreira, no ensaio Os Ofícios Tradicionais, destaca a necessidade de registrar os saberes dos trabalhadores anônimos, e manter uma constante preocupação com estes ofícios, pois "sua memória e transmissão, com as narrativas que os situam e com os termos que compõem uma espécie particular de repertório iniciático, com origem numa espécie de revelação inicial. Eles são os fios da conexão entre a transmissão dos saberes hierárquicos e organizados e os grupos sociais que os acolhem. Presentes os tabus e as interdições, o prático e o mágico são inseparáveis, na condução complexa de vetores da comunicação. Técnicas que se aprimoram, cada dia se enlaçam e parecem provir de um mesmo tempo arqueológico: as coisas e sua nomeação, a natureza e seus domínios, os mistérios do conhecimento. Ora, o mestre de um ofício é sempre um sabedor, é alguém bastante diferente que encarna um semideus, um pactuante com o sobrenatural, um detentor de um tipo de liderança, sobretudo por ser aquele que transforma, que inaugura um novo estado cultural. É de sua memória que se projeta a construção do mundo."(6)


A criatividade do nosso fotógrafo de jardim, aliada a uma natural e aguçada sensibilidade tátil, era o ponto de partida para o desenvolvimento do ofício. Esse fotógrafo desenvolvia seu trabalho com uma câmera-laboratório: uma caixa de madeira dotada de uma objetiva ( a alma da boa imagem) apoiada num tripé. A câmera era dividida em duas partes, sendo que a inferior continha os dois banhos, revelador e fixador, que eram utilizados ao mesmo tempo, para o processamento químico de filmes e papéis.

Boris Kossoy, no ensaio já citado, registra que "a origem da máquina laboratório prende-se à vinda de Francisco Bernardi, natural de Bolonha, ao Brasil, onde trabalhava como fabricante de acessórios fotográficos. Em São Paulo continuou no mesmo ramo, porém como desenvolvia também a atividade de fotógrafo e tinha que se deslocar de um local para outro, começou a fazer tentativas de incorporar o laboratório à sua própria máquina, do que resulta a primeira máquina de jardim que lhe permitia atender encomendas em vários lugares e atuar como ambulante. Simplificada e aperfeiçoada mais tarde era colocada à venda a máquina de jardim (modelo Bernardi), cujo desenho prevalece até hoje."(7)


Em outra pesquisa, realizada nos anos 70 no Rio de Janeiro, com texto final de Leonardo Fróes, perguntava-se sobre a origem das câmeras ainda em atividade: "Quem fabrica essas máquinas, surrados e vividos caixotes que são uma maravilha de síntese, unindo a função de câmera à de laboratório solar? Ninguém - ou a mão de todos. Qualquer lambe-lambe é capaz de dizer sem hesitar a marca de sua lente, que é o grande trunfo do negócio, mas nem os velhos imigrantes têm noção definida sobre a procedência da máquina. Montada e remontada infinitas vezes, na base da intuição, por esses profissionais ambulantes que atuam numa sagração do improviso, a máquina do lambe-lambe de hoje é um produto artesanal e caseiro, feito com sobras recicladas de um primeiro tempo da indústria."(8)

Nossa intenção neste texto, que tal qual um iceberg, é apenas o início de uma pesquisa, é a valorização de um momento especial da produção fotográfica no Brasil. Intuitivos e sem compromissos com a história, os fotógrafos de jardim construíram um pedaço da nossa memória visual, talvez um dos mais verdadeiros e prazeirosos, produzindo imagens com uma velha câmera de fole, que permitia registros em chapas no formato 9X12 cm, tamanho ideal para uma cópia contato no mesmo formato*, com objetiva de pouca luminosidade, sem dispor de fotômetro nem filtros.

O que importava para o lambe-lambe era a luz intensa, já que ele não trabalhava com chuva. Sua presença na Praça era referência do sol, índice que garantia a alegria de todos os frequentadores da Praça durante o dia. "Para ser um bom retratista era preciso ficar de olho nas nuvens"(9), dizia-se nos anos 20, 30 e 40, considerado o período de ouro da atividade profissional do fotógrafo lambe-lambe, que se instalou nas praças e jardins públicos do Brasil nos idos de 1915 e durante mais de três décadas retratou as mais variadas situações e os mais variados tipos humanos.


A partir dos anos 50, o fotógrafo lambe-lambe passou a produzir somente retratos para documentos, tipo 3X4 cm, a fim de atender a demanda da nova clientela, deixando de produzir os retratos que caracterizavam situações de maior diversidade temática e maior riqueza iconográfica. Desde o início, a produção dessa atividade profissional, descartada e desvalorizada pelos estúdios fotográficos que garantiam qualidade técnica e pretensão artística, ficou tão dispersa e esquecida, que ainda hoje é difícil reunir uma coleção que esgote o universo intuitivo e criativo do nosso fotógrafo de jardim.

Cultura e memória

Para alguns, uma fotografia em que nada pode ser reconhecido, é muito perturbador. Para outros, esse desconhecimento total é que faz emergir a fantasia da recriação, que busca entender a imagem como surpresa e animação, movimento e energia latente. Para o fotógrafo Charles Harbutt, "aquela mágica caixinha preta nos torna capaz de deixar, de um jeito simples e por um breve momento, nosso próprio tempo e espaço e ocupar, talvez apenas superficialmente outro tempo e espaço. Um ‘lá e então’ tão real quanto um ‘aqui e agora’. Fotografias são ao mesmo tempo imagens reais e realidades imaginadas. Isto é único enquanto meio de expressão e, simultaneamente, novo na experiência humana."(10)


Esse jogo entre passado e presente, entre realidade e imaginação, entre simulação e aparência, é que possibilita o que Roland Barthes denominou de "princípio de aventura"(11), e que garante a existência da fotografia. Uma empreitada difícil para quem não perceber que as fotografias realizadas pelos fotógrafos lambe-lambes parecem carregar uma vocação inesgotável, que é a esperança de ser vista e eternizada em seus estranhos silêncios. Olhando-as podemos destacar as coisas simples, como o amor e a comunhão entre os homens, e também entendê-las como uma etapa ou uma entrada de homens e objetos ao mundo sensível da representação e da significação.

Algumas fotografias selecionadas que ilustram esse texto fascinam justamente por se tratar, na maioria das vezes, de imagens anônimas e populares, descartáveis, de pouca durabilidade e de produção técnica precária. Procuramos mostrar imagens singulares, que denotam situações especiais, e de forte apelo popular. Como se elas fossem metáforas da existência de um movimento, desajeitado e deselegante, no panorama da fotografia brasileira, para poder pensar o processo de construção da memória e da história, a partir da atividade profissional do fotógrafo lambe-lambe, um ofício quase desaparecido nos dias de hoje.

Jerusa Pires Ferreira, em seu texto Cultura é Memória, sobre as idéias de Iuri Lotman*, salienta que ele aproximou de modo exemplar os conceitos de "Cultura, História e Comunicação, enquanto procedimentos semióticos, e nos instiga: ‘A cultura não é um depósito de informações; é um mecanismo organizado, de modo extremamente complexo, que conserva as informações, elaborando continuamente os procedimentos mais vantajosos e compatíveis. Recebe as coisas novas, codifica e decodifica mensagens, traduzindo-as a um outro sistema de signos.’ Ao abordar cultura como informação, ele nos deixa passar por algumas idéias vivas, como por exemplo, a de que a cultura é o mecanismo complexo e dúctil da consciência e que o âmbito da cultura é o teatro de uma batalha ininterrupta de tênues desencontros e conflitos de toda ordem, lutando-se pelo monopólio da informação. E aí no diz que definir a essência da cultura como informação significa colocar o problema relacional entre a cultura e as categorias fundamentais de sua transmissão e conservação."(12)


E mais adiante, Jerusa Pires Ferreira afirma, a partir de Lotman, que "cultura é informação, codificação, transmissão, memória, e conclui, de forma a não deixar lapsos: somente aquilo que foi traduzido num sistema de signos pode vir a ser patrimônio da memória." Lotman instiga-nos, sempre que possível, quando nos força a lembrar que a história intelectual da humanidade (e Jerusa acrescenta a história da criação, seja popular ou não) pode ser considerada como uma luta pela memória.

Apesar da classe dominante não ter prestigiado a produção nem a atividade profissional do fotógrafo lambe-lambe, ele soube tornar possível o sonho da classe média emergente da época, dos imigrantes e da população em geral, que queria, através das fotografias, levar informação aos parentes e às pessoas queridas, bem como concretizar o desejo atávico de se contemplar na imagem.

Pierre Bourdieu (13) destaca que esse desejo foi difundido em todo o mundo e nas diferentes camadas sociais. As motivações eram, entre outras, a possibilidade de comunicação com os outros, a expressão de sentimentos, a auto-identificação, o prestígio social conquistado a partir da técnica, a distração e o divertimento, a evocação da memória evanescente.

Se aprofundarmos nosso olhar nas fotografias, nos quais as pessoas raramente são o que parecem ser, é possível substituir os rostos anônimos por outros perfeitamente reconhecíveis. Essa sensação silenciosa de deslocamento proporciona o maravilhoso e inspirador momento de reconhecimento do outro e de si mesmo. Imagens que não esgotam o prazer do olhar, porque são parte do inconsciente coletivo, que na maioria das vezes contempla nosso drama e nossa experiência de vida. Aliás, se aventurando pelas fotografias aqui publicadas, percebemos o quanto "a imagem fotográfica é dramática. Por seu silêncio, por sua imobilidade. (...) A fotografia é nosso exorcismo. A sociedade primitiva tinha suas máscaras, a sociedade burguesa seus espelhos, e nós temos nossas fotografias." (14)


O espaço da fotografia, que constitui a mensagem fotográfica, tem por característica a variedade, mas dentro dessa diversidade assinalada é possível estabelecer uma hierarquia temática. A fotografia produzida pelo lambe-lambe, na maioria das vezes, reflete uma ocasião especial: a reunião familiar, o casal enamorado, grupos de amigos, viagens ao litoral, as crianças, etc. A possibilidade de estabelecermos um padrão visual, independentemente da procedência da fotografia, é possível, o que aponta para um modelo que a história da fotografia ainda não se aprofundou. Por outro lado, a identificação de um código imagético nessa produção, não exclui a possibilidade de encontrar nas fotografias, grandes descobertas e boas surpresas.

Walter Benjamin, em seu clássico ensaio Pequena História da Fotografia, salienta que "apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos, e com tanta eloquência que podemos descobri-lo olhando para trás."(15)A magia do retrato "A máquina é sem marca; o modelo anônimo; o artista, desconhecido."(16) Apesar de ter conhecimento que o fotógrafo lambe-lambe atuou, e alguns ainda atuam, em quase todas as Praças e Jardins desse nosso país, selecionamos imagens produzidas em São Paulo, Poços de Caldas, Aparecida do Norte e Santos, justamente para evidenciar que as capitais e as cidades turísticas, tiveram uma produção mais intensificada, centrada particularmente no tema geral retrato.

Segundo o pesquisador Pedro Vasquez, o "retrato é o mais popular dos temas fotográficos, de tal forma que, no Brasil, ele passou a ser sinônimo de fotografia e a câmera é conhecida como 'máquina de tirar retratos', como se não tivesse função outra do que perpetuar a figura humana". Para Vasquez, isso garantiu para sempre uma definição de fotografia amadora no Brasil, "a arte de sobrepor a imagem de uma pessoa querida a uma paisagem, monumento ou ponto turístico".(17) Claro que isso também vale para a fotografia produzida pelos lambe-lambes.

As fotografias valorizam e eternizam o momento solene do registro do estado de felicidade. No caso da produção do lambe-lambe, temporariamente, já que a baixa durabilidade da imagem é intrínseca ao processo rápido e precário de produção. Pode ser na Fonte dos Amores, em Poços de Caldas; no Jardim da Luz, Parque do Ipiranga, Jardim da Aclimação, Parque D. Pedro II, Largo da Concórdia, Praça Ramos, na cidade de São Paulo; ou nas praias de Santos e do Guarujá. O que importa é o instante da epifania, do registro do rastro e da memória, do sagrado. Mas, sempre, um momento muito fugaz, registrado pelo fotógrafo lambe-lambe e que hoje, ao recuperarmos essa imagens amareladas pelo tempo e justificadas pela má qualidade técnica de processamento, evidenciamos a urgência em tentar mapear sua produção e, tal qual o fio de Ariadne, desvelar os horizontes possíveis desses labirintos imagéticos, passíveis de inúmeras explorações e intepretações.


Em cada imagem publicada é possível perceber incríveis detalhes e explorar seus significados: os revolucionários da Revolução de 24, foram para o Jardim da Luz, perto do Quartel Tobias de Aguiar; a pose é de guerreiros ou de artistas de cinema? Os dois casais na Praça da Matriz da Nossa Senhora da Aparecida, em perfeita harmonia e simetria com as torres da igreja; felizes e orgulhosos pelo batismo da criança. Ao fundo, à direita, registra-se o equipamento técnico do lambe-lambe e mostra-se os baldes de água como parte do "laboratório".

A família na praia de Santos exibindo o automóvel Ford anos 20. Veja a delicada disposição dos chapéus, inclusive o "esquecido" no volante, e a câmera de fole, portátil, da família, discretamente esquecida na maçaneta da porta traseira do automóvel. O fotógrafo lambe-lambe eternizou a visita à praia com o automóvel, signo de modernidade, velocidade e novo status social. O registro do lambe-lambe garantiu a presença do circunspecto casal na praia do Gonzaga, em Santos. No verso da fotografia, a data 14 de fevereiro de 1926, garante a apreensão da eternidade do tempo finito.

Grande parte do material iconográfico disponível, apesar de esparsas informações sobre o fotógrafo, tem, na maioria das vezes, na própria superfície da fotografia o registro do nome do profissional ou da cidade em que foi produzida. Portanto, não é impossível recuperar os percursos e tentar estabelecer dados sobre os fotógrafos e sua técnica.

Os fotógrafos lambe-lambes dos jardins e praças públicas, e os fotógrafos ambulantes que circularam pelo país com sua mágica caixa de fazer retratos, quase sempre tiveram a preocupação com o seu registro na fotografia - produto final do seu trabalho. Nas fotografias do Jardim da Luz, lê-se os nomes Photo Santiago, João Lucera Photos, Photo Braga, Photo Almeida entre outros. Em Poços de Caldas, Minas Gerais, até hoje, os herdeiros do fotógrafo lambe-lambe Quinteiro, o criador da Photo-Avião, trabalham no Jardim Público da cidade e continuam registrando suas marcas nas fotografias que encantaram os sonhos de várias gerações. Enfim, é a assinatura evoca o artista-fotógrafo e possibilita seu reconhecimento no tempo e no espaço. Em alguns casos, particularmente em Poços de Caldas, e hoje nas cidades de forte manifestação religiosa, a fotografia produzida pelo lambe-lambe tem a presença de um cenário assumidamente falso, que aponta a necessidade do imaginário popular em simular a aventura e a coragem dos heróis da mitologia. Os de conotação mítica, resgatam a história de homens vencendo perigosos animais; os de ordem tecnológica, iconizam o avião como o signo de conquista e ação épica, além de registrar uma viagem desejada, porém, ‘impossível’; e os de ordem religiosa, aproximam todos os cidadãos aos santos da Igreja Católica e às divindades, como Iemanjá. Nos dois primeiros casos, o falso cenário assumido facilitava a pose informal e evidenciava o sabor da vitória e da felicidade conquistada momentaneamente; no último o ritual e o sagrado ganham ares de veracidade, através da estratégia da simulação da realidade.

Como salientou Henri Cartier-Bresson, "em meu modo de ver, a fotografia em nada mudou desde sua origens, exceto em seus aspectos técnicos - e esses não constituem minha principal preocupação. A fotografia é uma operação instantânea, tanto sensorial quanto intelectual - uma expressão do mundo em termos visuais e, também, uma eterna busca e interrogação. A fotografia é o reconhecimento simultâneo, numa fração de segundo, da significância de um acontecimento, bem como de uma organização precisa das formas que dão a esse acontecimento sua expressão adequada".(18)


Pesquisas realizadas na década de 70 em São Paulo, em Salvador, no Rio de Janeiro e na década de 80 em Aparecida do Norte, Juazeiro do Norte e outras cidades com intenso movimento religioso, quantificaram os fotógrafos e apontaram os mais importantes. Boris Kossoy registrou nos anos 70, que na década de 20, trinta fotógrafos atuaram no Jardim da Luz; e que, entre 1915 e 1955, 50 fotógrafos atuaram no Parque D. Pedro II e outros 50 nas praças públicas da cidade de São Paulo. Já em 1974, época da publicação do seu texto, apenas 15 fotógrafos ainda atuavam em São Paulo, sendo que 8 deles no Jardim da Luz. Em 1981, Simonetta Persichetti (19) publicou na revista Iris, que apenas 9 fotógrafos atuavam no Jardim da Luz. Em maio de 1980, o Museu Lasar Segall, reuniu pioneiramente os fotógrafos lambe-lambe de São Paulo, Pirapora e do Nordeste e realizou a primeira exposição sobre o assunto. Recentemente, na Bienal Internacional de Fotografia Cidade de Curitiba, os profissionais da fotografia lambe-lambe foram convocados para atuarem no evento.

O avanço provocado pela tecnologia e a consequente facilidade de aquisição e uso da câmera fotográfica pelos fotógrafos amadores, favoreceram a produção das imagens. Ao mesmo tempo, é perceptível a queda de produção da fotografia de qualidade, já que a tecnologia produz um equipamento que nada exige do fotógrafo. Por isso mesmo, essa produção doméstica, rápida e imediatista, tende a desaparecer com a mesma velocidade com que foi produzida e consumida. A história se repete...

Foi-se o tempo do fotógrafo lambe-lambe, que trouxe a alegria para os Jardins das cidades, e parcialmente substituiu a rigidez da fotografia de estúdio, predominante até a primeira década deste século. Para Boris Kossoy, "do vestir-se bem para tirar fotografia até o final do processo efetuado pelo fotógrafo dos parques e jardins, restam-nos as imagens envelhecidas de rostos, penteados e trajes, aspirações sérias e meditativas dos retratados, e ainda como resultado final (a foto), valores estéticos embora repetitivos de um modo de ver, precioso documento estético-social."(20)


Resta-nos agora contemplar as imagens desses desconhecidos íntimos e tentar entender, nas milhares de fotografias esmaecidas produzidas pelo lambe-lambes, hoje esquecidas ou desprezadas em velhas caixas, os fios que tecem a história da fotografia no Brasil.

*Publicado originalmente na revista FACOM (Faculdade de Comunicações da FAAP) número 6, 1o semestre.


**Rubens Fernandes Junior, Diretor da Faculdade de Comunicação, Professor de Teoria da Comunicação, Pesquisador e Crítico de Fotografia.

NOTAS:
(1) Clóvis Loureiro, A linguagem da fotografia. São Paulo, texto avulso, s.d.
(2) Jacques Le Goff, Memória. In Enciclopédia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.
(3) Henri Cartier-Bresson, O momento decisivo. In Revista Bloch Comunicação No 6, Rio de Janeiro, Bloch Editora, p.19-26, s.d.
(4) Roland Barthes, A Camara Clara. Lisboa, Edições 70, 1981, p.16.
(5) Boris Kossoy, O fotógrafo ambulante - a história da fotografia nas praças de São Paulo. In Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, 24/11/1974, p.5.
(6) Jerusa Pires Ferreira. Os ofícios tradicionais. In Revista Usp, São Paulo n.29, pp 102-106, março-maio 1996.
(7) Jerusa Pires Ferreira, op. cit.
(8) Leonardo Fróes, Os lambe-lambe. In Coisas Nossas, Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Educação e Cultura e Mec-Funarte, 1978.
(9) Isabel Gouvêa, Lambe-lambe: resistindo à extinção. In Jornal FotoBahia, Salvador, No1, julho 1981, p.3.
(10) Charles Harbutt, I don’t take pictures; pictures take me. In Travelog, Estados Unidos, s.d.
(11) Roland Barthes, op. cit., p. 37.
(12) Jerusa Pires Ferreira, Cultura é memória. In Revista Usp, São Paulo n.24, pp.114-120, dezembro-fevereiro 1994/95.
(13) Pierre Bourdieu, Un art moyen: essai sur les usages sociaux de la photographie. Paris, Les Editions de Minuit, 1965.
(14) Jean Baudrillard. O exotismo radical. In A transparência do mal - ensaio sonre os fenômenos extremos, Campinas, SP Papirus editora, 1992, 2 edição, p.160.
(15) Walter Benjamin, Pequena História da Fotografia. In Obras escolhidas Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Editora Brasiliense, 1985, p.94.
(16) Leonardo Fróes, op. cit.
(17) Pedro Vasquez, Olha o "passarinho"! - Uma pequena história do retrato. In O retrato brasileiro - fotografias da Coleção Francisco Rodrigues 1840-1920, Rio de Janeiro, Funarte e Fundação Joaquim Nabuco, 1983, p.27.
(18) Henri Cartier-Bresson, op. cit.
(19) Siminetta Persichetti, Lambe-Lambe: a câmera automática no lugar da velha caixa. In Revista Iris n.334, pp18-20, janeiro/fevereiro 1981.
(20) Boris Kossoy, op. cit.

Os Irmãos Theodósio no Lago do Machado tirada por Euclides Theodósio em 1958.

Os Irmãos Theodósio no Lago do Machado tirada por Euclides Theodósio em 1958.
Arquivo Maurício Theo.